Pomba gira pouco conhecida, tem reputação de maravilhosa curandeira e
aspecto inquietante.
……
……
Nas imagens populares, ironicamente difíceis de encontrar no Brasil, ela
exibe um corpo meio esquelético e meio humano coberto com capa e capucho.
Nos meios tradicionais é dito que ela é a "esposa" de Seu João Caveira, exu
da "Velha Guarda" do cemitério e Chefe da Linha dos Caveiras, um grupo de
servidores fiéis e muito prestativos.
Em conversa ao pé do congá, com alguns irmãos de fé que também circulam
pelos caminhos de algumas religiões de origem bantu (Kimbanda, Cangerê,
Cabula), ouvi que Dona Rosa Caveira é protagonista de inúmeras lendas. Uma delas conta que Rosa nasceu no Oriente.
Sétima filha de uma simples família do campo, desde cedo aprendeu com seus
pais as artes da cura, pois eles eram afamados xamãs. Sua falecida avó foi
sua primeira guia espiritual.
Em sonhos, a querida alma da ancestral instruia e aconselhava a neta.
Rosa era uma menina privilegiada.
Aos dezenove anos ela conheceu um xamã muito mais velho.
Eles se apaixonaram e casaram.
Ela então começou um período muito intenso de atendimento espiritual aos
cidadãos de sua vila e arredores.
Sua vida transcorreu cheia de méritos e bênçãos.
Rosa morreria depois de seu marido, saboreando o prazer de uma
existência dedicada os mais necessitados.
Outra lenda nos conta o segredo de seu nome...
Ao redor da casinha onde sua família morava existia um roseiral selvagem.
No final da gravidez, sua mãe não teve tempo de pedir ajuda à parteira
local e a menina nasceu ali mesmo.
Daí o nome: Rosa.
Por que caveira ?
Em certas regiões do Oriente, sobretudo na Índia, Tibet e Butão, alguns
xamãs e yogues utiizam a caveira humana como um cálice ritual.
A caveira, assim utilizada, não está relacionada com magia negra ou
qualquer arte malévola.
No Budismo Tibetano os Lamas utilizam uma caveira como cálice.
Também fazem um pequeno tambor com duas metades de caveira...
Na Índia ele é chamado de Damaru e a caveira de Kapala.
Quando conheci a lenda de Rosa Caveira, imediatamente percebi a conexão com
as tradições yogues e tibetanas.
Pode ser que a lenda tenha se ocidentalizado e a planta original, que
poderia ser o lótus, tenha se transformado em rosa.
Neste caso seu nome seria Pema em tibetano. Em sânscrito, seu nome
espiritual seria Kapalapadma (Lótus Caveira).
Na tradição budista e mágica do Tibet, Mongólia e arredores, existem muitas
histórias e lendas com as mesmas características das aqui mencionadas.
Ela se perpetuou como curandeira poderosa e ponte entre os diversos reinos
do astral.
Uma outra curiosidade circunda esta Pomba Gira. Rosa Caveira trabalha e
vibra no cemitério...
Em algumas tradições orientais, as mesmas mencionadas acima, certo grupo
de adeptos utiliza o cemitério para trabalhos espirituais de cura e
transformação. Eles são chamados de Kapalikas ou portadores da caveira!
As mulheres do grupo, além da caveira transportam um tridente.
Certa vez eu estava caminhando com um amigo indiano pelas ruas do centro de
São Paulo.
De repente, diante de uma loja de artigos religiosos, ele literalmente
ficou paralisado!
Uma grande e vermelha estátua de Pomba Gira estava diante de nós.
Nua, majestosa, segurando um tridente e com uma caveira nos pés.
Shivaji, meu amigo indiano, se curvou aos pés da imagem e disse:
"Trishula Kapala Ma! O que você faz aqui?"
Trishula Kapala Ma é a Mãe do Tridente e da Caveira,
uma representação do feminino sagrado que pode rondar os lugares de
cremação.
Ela destrói os fantasmas malignos e os demônios, come as ilusões
humanas e resgata as almas das mãos dos seres das trevas.
Seu aspecto pode ser "terrível", mas a luz e a bondade emana de seu
coração.
Atrás do aspecto funesto de Rosa Caveira com certeza brilha a mesma luz.
Nela se encontram o Oriente e o Ocidente, o vermelho e o branco, a vida e a
morte.
Autor Edmundo Pellizari